quarta-feira, janeiro 23, 2008

Audição

"Nada pode ser mais simples do que os sons - ondas de ar comprimido. Não interessa quantos sons, discursos, melodias, assobios e arrotos diferentes existem à nossa volta numa divisão, ao ouvido chegam apenas ondas de ar comprimido. O tímpano vibra, as vibrações saltam para a cóclea que por sua vez as traduz em impulsos nervosos que viaja, até ao córtex auditivo. E é assim que a festa começa. Com fantásticas capacidades forentes, o córtex auditivo transforma os sinais brutos em sons individuais. Os caçadores do paleolítico conseguiam separar o mínimo som que queriam ouvir - por exemplo, o de um veado, atrás dos arbustos, a mascar folhas - do chilrear dos pássaros, do ramalhar das árvores, ou do murmúrio dos rios. Hoje em dia estamos rodeados por um barulho de fundo diferente. Numa festa, a música substitui o chilrear dos pássaros, as roupas valem pelo ramalhar das árvores, em vez do rio temos o barulhinho, e o som específico que queremos ouvir não é o do veado a mascar folhas, mas o convidado a mordiscar um aperitivo e a falar-nos dos seus passatempos.
Apesar do convidado falar calmamente e de existir burburinho à sua volta, somos capazes de o ouvir com uma clareza incrível.
Fazendo jus ao nome de Colin Cherry, este fenómeno por ele investigado, foi denominado por 'Efeito Cocktail Party' , por ser particularmente notório neste tipo de festas. A sua investigação pioneira de 1950 não tinha por objectivo ajudar-nos a compreender as festas de cocktail, mas ajudar os controladores de tráfego aéreo a discernir a caótica tagarelada que ouviam nos seus auscultadores. O trabalho de cherry com os controladores de tráfego aéreo demonstrou que todos nós seleccionamos o que queremos ouvir e fazemos por ignorar o resto. Acima de tudo, demonstra que, assim que o cérebro consegue separar os sons e avaliá-los, quase todos são deitados fora, sendo apenas aproveitados os sons do convidado e do seu passatempo.
Na verdade não é assim tão simples, como Murphy faz questão de salientar de vez em quando. Os outros barulhos não são instantaneamente excluídos; são inconscientemente supervisionados. E a prova disso é que:

Toda a gente se cala numa sala quando ouve a palavra 'sexo'.

De repente, toda a gente na festa está a ouvir-lo. Como é que conseguiram ouvir aquela palavra com toda a algazarra? que vergonha. Esta Lei de Murphy revela a espantosa capacidade do córtex auditivo. O burburinho que o cérebro parece estar a ignorar é inconscientemente aferido através de palavras chave antes de ser excluído. Quaisquer sons que o cérebro considere interessantes estão a ser atirados para a consciência. Não é de admirar que 'sexo' seja considerada uma palavra muito interessante.
Outras palavras e sons significativos podem emergir do burburinho. Um telemóvel com o mesmo toque que o seu despertar-lhe-à a atenção. Se alguém pronunciar o seu nome as suas orelhas ficarão a arder e é sabido que se ouvir o seu nome, ouvirá também muitas das palavras que o procederam - prova portanto de que o cérebro armazena o barulho exterior durante alguns segundos.

Ouve-se melhor um murmúrio do que um berro.

O cérebro supervisiona os sons à sua volta. Diferenças subtis na camada audítivel são merecedoras de especial atenção, mesmo que haja uma diminuição de volume. Se o casal mais próximo se si baixar repentinamente a voz, irá despertar, de certeza, a sua atenção; os seus ouvidos esforçar-se-ão por ouvir o que eles estão a dizer.
Quando espia os vizinhos não ouve todas as palavras, apenas parte delas. O cérebro acrescenta partes que considera em falta. Normalmente consegue fazer um trabalho muito bom, mas às vezes engana-se.(...)
Tive recentemente uma conversa à Murphy, em Pequim, com uma mulher chinesa. A sua pronúncia inglesa não era perfeita, ainda assim, achei que estávamos no bom caminho. Ela tinha um emprego, disse-me, que consistia em encontrar cavalos(
horses) para pessoas que vinham viver para Pequim, e eu disse-lhe que ainda não tinha visto cavalos desde que chegara.
-Mas é claro que viu - disse ela - Toda a gente em Pequim tem um cavalo.
-Toda a gente? - hesitei - Ainda não vi um único cavalo!
-Mas onde é que haviam de viver? - disse ela. Calámo-nos, e foi aí que percebi que estávamos a falar sobre casas(houses). Uma pequena diferença na pronúncia resultou numa conversa estranhamente surreal."

Texto retirado do livro "A lei de todas as coisas" de Richard Robinson

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