quinta-feira, julho 31, 2008

Turismo em Portugal: você desaparece, nós arquivamos

Para grande surpresa de todos, o caso Maddie foi arquivado. Desde o dia em que a criança desapareceu, nada faria prever este desfecho. Em primeiro lugar, havia muitos e variados suspeitos: primeiro, o criminoso era de certeza Robert Murat; depois, eram evidentemente os próprios pais; depois, era óbvio que tinham sido os pais com a ajuda de Robert Murat; mais tarde, tinha sido um indivíduo cujo retrato-robot indicava claramente tratar-se de alguém que ou era do sexo feminino ou do masculino, e que vestia roupas. Bastava escolher, que diabo.
Em segundo lugar, havia as provas testemunhais. Maddie foi vista em mais sítios do que Marco Polo. Algumas testemunhas viam Maddie e não faziam nada; outras viam Maddie num café e apanhavam uma palhinha por onde Maddie tinha bebido, ou um copo em que Maddie havia tocado. Nenhuma das testemunhas que viu Maddie se lembrou de apanhar Maddie, o que poderia ter sido útil.
Em terceiro lugar, ninguém pode deixar de estranhar o arquivamento de um caso que quase todo o País se empenhou em solucionar. Neste capítulo, a comunicação social fez um trabalho soberbo: recolheu a opinião de vizinhos dos McCann, de familiares dos McCann e do presidente da Câmara de Santarém. Entrevistou psicólogos, pedopsiquiatras e o presidente da Câmara de Santarém. Organizou debates: de um lado estavam polícias, juristas, jornalistas e detectives privados; do outro estava o presidente da Câmara de Santarém.
Entretanto, no terreno, as buscas continuavam: roupas da criança foram cheiradas por cães portugueses, por cães ingleses, e pelo presidente da Câmara de Santarém. Embora se tenha falado apenas num, de facto registaram-se dois desaparecimentos: Maddie desapareceu do Algarve; Moita Flores desapareceu de Santarém.
Um canal de televisão convidou um espanhol especialista em expressões faciais que, depois de algum estudo, avançou que, sobretudo tendo em conta a sua sobrancelha esquerda, Kate McCann escondia algo. Só não disse o que escondia porque, para isso, precisaria de passar três ou quatro meses a estudar a sobrancelha direita. Mas ficou a informação valiosa.
E, primeiro diariamente, depois semanalmente, e mais tarde mensalmente, um jornalista entrevistava um detective espanhol que sabia exactamente onde se encontrava Maddie e estava só a acabar de fazer a mala para a ir buscar, ou um taxista português que tinha transportado Maddie juntamente com um casal de raptores, ou um turista holandês que tinha visto um casal de árabes com uma criança loura igualzinha a Maddie que depois veio a verificar-se ser afinal um gato, ou um presidente da Câmara de Santarém. É difícil compreender a razão obscura pela qual nada disto fez avançar a investigação.
Artigo de opinião de Ricardo Araújo Pereira in www.visao.pt

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